sábado, 15 de novembro de 2014

A rua que cada um vê

Os budistas dizem que quando olhamos para um objeto, ele “nos olha de volta”. É que carregamos ferramentas pessoais – nossa história, sensibilidade, repertório –  que filtram nosso olhar e definem a percepção que teremos do objeto, daí a ideia de que ele nos olha de volta. Levando essa ideia ao limite, olhar para um objeto é olhar a si mesmo. Nenhum homem atravessa o mesmo rio duas vezes, diz o filósofo Heráclito. De fato: a experiência da primeira travessia transforma o homem, assim como o curso constante do rio o transforma a cada segundo. Pois acredito que essa mesma afirmação se aplique às cidades: nenhum homem atravessa a mesma rua duas vezes. Ou, na concepção budista, olhar para a rua é olhar a si mesmo. É o que mostram os mapas abaixo, desenhados por algumas pessoas para representar seus deslocamentos diários.
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Essa pessoa saiu de casa, viu a saída da escola cheia de crianças, notou a floricultura, a padaria. Quando entrou no taxi, deixou de perceber a cidade ao redor.

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Esse percurso feito de carro deixa da cidade a percepção de uma linha quase reta a ser percorrida pare chegar ao destino. Quase nenhum elemento além da rua é notado.
 
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Este aqui se perdeu. Seu desenho nos mostra como andar de carro consolida em nossa mente a estrutura das principais avenidas da cidade mas, dentro dos bairros, especialmente os tortuosos, torna mais difícil a circulação e localização.
 
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Eu adoro o fato de esse mapa ter sido feito por uma dançarina. Ela precisou se equilibrar sobre o meio-fio de uma calçada lotada de gente para chegar até o metrô Sumaré. Percorreu os trilhos em alta velocidade até a estação consolação. Daí fez a baldeação para a linha amarela, onde notava alguns detalhes no meio da multidão de gente. Após mais um trecho de metro, saiu da plataforma e viu as pessoas que estavam espremidas no metrô se dispersarem e caminhou até seu destino.

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Mais um mapa sensorial – e multimodal. Essa pessoa pedalou até a estação Vila Madalena, dobrou sua bicicleta e tomou o metrô até as Clínicas. Daí encontrou um amigo e pegou uma carona de carro (com a bike no porta-malas) até o destino. As cores dos percursos mostram as sensações de cada trecho.
 
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O mapa mais estruturado foi desenhando por uma pessoa que se locomoveu a pé. Quem anda conhece mais caminhos e acaba aprendendo a fazer melhores escolhas para uma experiência de deslocamento mais agradável.
Esses mapas são uma boa maneira de entender o conceito de Direito à Cidade delineado pelo geógrafo David Harvey. Não se trata, segundo ele, do direito de usufruir do que já existe na cidade, mas do direito de construir os diferentes tipos de cidade que todos nós queremos que existam.

(Natália Garcia)

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