Las Vegas, Nevada. Image Courtesy of Planeta Sustentável
“É difícil imaginar um oásis maior que Las Vegas” diz uma das citações mais famosas sobre a cidade, conhecida na cultura popular por seus luxuosos cassinos e hotéis. Mas a verdade por trás da frase é que esse oásis, o maior centro urbano de Nevada e 30º dos EUA, está secando de maneira lenta e agonizante por conta de sua expansão e seu consumo desenfreado. Para alguns especialistas em recursos hídricos, a Cidade do Pecado corre o risco de desaparecer até 2036 se não encontrar mais água. Como a cidade de São Paulo, que vê suas duas principais reservas de abastecimento se esgotarem, Las Vegas tem investido na busca por soluções, algumas consideradas radicais. “É uma situação tão séria quanto o furacão Katrina ou a supertempestade Sandy”, descreve um comunicado da Autoridade para Água do Sul de Nevada*. Bilhões de dólares estão em jogo.
Fundada em meio ao deserto de Mojave, que se estende por 124 mil quilômetros quadrados abrangendo também territórios dos estados de Utah, Califórnia e Arizona, Las Vegas tem em um bom ano o equivalente a 4 centímetros de chuva, quantidade já insuficiente para atender sua demanda. Contudo, se Las Vegas dependesse de água da chuva como São Paulo, ela não seria possível. Seu crescimento econômico se deu em grande parte desde a década de 1930 graças a Represa Hoover (foto abaixo), uma das maiores obras de engenharia dos EUA, a 50 quilômetros da cidade.
Em operação nos últimos 78 anos, a barragem tornou possível a criação do Lago Mead, um reservatório artificial com capacidade para 15 trilhões de metros cúbicos de água que demorou seis anos para ser enchido e hoje, estima-se, está pela metade. O reservatório responde por 90% do fornecimento da área metropolitana e está se tornando uma aposta cada vez mais arriscada conforme a dependência dele aumenta. Na última década, a população de Las Vegas saltou de 400 mil para 2 milhões de pessoas. O turismo, que responde por 70% da economia local e 46% da força de trabalho ativa, não para de crescer. Dados consolidados de 2013 mostram que mais de 39,6 milhões de pessoas visitaram a cidade no ano passado. E, em consequência, o consumo de água dispara. Em média, para cada morador são consumidos 219 galões (cerca de 829 litros) de água por dia. Na cidade de São Francisco, na Califórnia, que tem proporções semelhantes, a média é de 49 galões por habitante/dia.
“A situação é tão ruim quanto se pode imaginar e só vai piorar. E de maneira rápida”, afirma Tim Barnett, cientista climático do Instituto Scripps de Oceanografia*, um dos centros de estudo mais antigos e prestigiados dos EUA. “A cidade corre contra o relógio para os próximos 20 anos. Se não encontrar outra fonte de água, os negócios vão fechar. Ainda assim, a cidade não para de construir, o que é muito estúpido”, conta. Segundo Barnett, a diminuição do nível da água no Lago Mead, atualmente em 331 metros acima do nível do mar, é preocupante. O lago conta com dois canos de captação, um a 320 metros e outro a 304 metros. “Até o final do ano a expectativa é de que o nível da água abaixe mais 6 metros, mas é provável que com esse ritmo de crescimento e consumo, o primeiro cano comece a sugar ar até lá e o outro dure, no máximo, até o final de 2015”, explica ele. O retrocesso da água é visível conforme ilhas de rochas que nunca foram vistas ali começam a aparecer, inclusive atrapalhando a navegação esportiva no local.
O plano de emergência da cidade é construir um cano no ponto mais baixo para sugar o que resta de água do reservatório, a exemplo do que se faz em São Paulo com o volume morto da Cantareira. Mas o processo é muito lento e caro. Ao custo de 817 milhões de dólares, uma sonda de perfuração do tamanho de dois campos de futebol tenta abrir um buraco para o novo cano, avançando apenas um centímetro por dia. Espera-se que até o lago atingir o ponto crítico no final do ano que vem, o projeto esteja concluído.
No longo prazo, a ideia do governo local é poder construir, ao custo de 15,5 bilhões de dólares, uma segunda linha de abastecimento, que levaria 27 bilhões de galões de água subterrânea por ano de um aquífero a 520 quilômetros de distância, na área rural de Nevada. No entanto, o projeto foi embargado por um juiz após ambientalistas mostrarem um estudo de que os dutos necessários afetariam 5,5 mil acres de campos férteis, 65 quilômetros de riachos para trutas e outros 130 mil acres de habitat de perdizes selvagens, veados, alces e antílopes ameaçados de extinção. “Algo assim forneceria a falsa sensação de que há água em abundância e atrasaria decisões sobre restrição de crescimento”, comenta o cientista Rob Mrowka do Centro de Diversidade Biológica*, que fez o estudo para impedir o empreendimento. “O deserto é um câncer que se espalha por vários ecossistemas. Conforme a demanda por água se torna mais desesperadora, Las Vegas terá de começar a pensar em tirar pessoas da cidade para continuar existindo”, afirma ele.
A situação é preocupante. A água do Rio Colorado, onde está a Represa Hoover, é utilizada por mais sete estados, incluindo o de Nevada. A divisão do uso é legitimada por um acordo legal que data de 1922 e desde então é bastante questionado. A vizinha Califórnia, que passa pelo terceiro ano de uma grave estiagem, não pode sequer dividir uma gota, uma vez que mais de 50% da produção de frutas e vegetais dos EUA é feita ali. E uma das proposições para salvar Las Vegas, segundo os especialistas, seria pagar bilhões de dólares ao México para poder construir plataformas de dessalinização no oceano Pacífico. Isso seria inviável no momento, porém todo tipo de solução temporária tem sido levado em conta, inclusive se desfazer dos gramados dos hotéis e resorts de Las Vegas.
Um programa da Autoridade para Água está pagando 1,50 dólar por cada 10 centímetros quadrados de grama removidos de suas propriedades. Até agora, 15 milhões de metros quadrados foram destruídos. “O Colorado é essencialmente um rio prestes a morrer. Eventualmente, Las Vegas e este pedaço da América vão desaparecer, como os índios antes de nós”, profetiza Mrowka.
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